O dia 8 de dezembro carrega um significado especial para a comunidade guairense. A data, dedicada a Nossa Senhora de Caacupê, padroeira do Paraguai, mobiliza famílias, resgata memórias e reafirma uma herança cultural profundamente enraizada na história do Município de Guaíra. A tradição tem origem muito antes de o município alcançar sua emancipação política e revela a força de uma devoção que atravessa gerações.

O território guairense, em sua conformação histórica, já pertenceu ao Paraguai. Essa ligação permanece viva até hoje, visível na fronteira compartilhada, nos costumes preservados e na presença marcante de descendentes paraguaios que ajudaram a formar a antiga Vila Velha, primeira vila local. Essa identidade binacional é uma das mais expressivas na composição cultural de Guaíra.

A homenagem a Nossa Senhora de Caacupê, que hoje integra o calendário afetivo da fronteira, nasceu de um gesto simples e profundamente solidário. A festa teve início há 83 anos por iniciativa de Dona Quitéria, moradora da Vila Velha que chegou à região em 1940. Ela carregava consigo uma pequena imagem encontrada em cenário da Guerra do Chaco, conflito travado entre Bolívia e Paraguai entre 1932 e 1935. Após o armistício, um militar recolheu recordações no campo de batalha e encontrou a escultura de madeira e prata ao lado de um combatente abatido. A peça, que cabia na palma da mão, foi presenteada a Quitéria Aguilera, então residente no Paraguai.

Para Quitéria, aquela imagem representava um sinal. Sob orientação de um padre, decidiu organizar um almoço gratuito para crianças carentes no dia 8 de dezembro, em honra à Santa. A promessa atravessou fronteiras. Primeiro, chegou ao Mato Grosso do Sul, onde a família viveu na fazenda Campanário, ligada à Companhia Mate Larangeira. Depois, estabeleceu-se definitivamente em Guaíra, onde a tradição floresceu e ganhou novos contornos.

Com o falecimento de Dona Quitéria, na década de 1970, Dona Lucila Suares Arguello deu sequência ao compromisso familiar. O evento cresceu, ganhou estrutura e tornou-se um atrativo cultural tradicional para toda a fronteira. Dona Lucila, que se destacou pela habilidade culinária e pela generosidade com a comunidade, atuou no primeiro hotel guairense, foi confeiteira, manteve um ponto de comidas típicas paraguaias em sua própria casa e consolidou um legado marcado pela fé, pela partilha e pelo acolhimento.

Entre curiosidades preservadas pela memória popular, está o episódio em que a pequena imagem permaneceu desaparecida por 12 anos e reapareceu misteriosamente em 7 de dezembro, véspera da data comemorada. Muitos habitantes afirmam que graças à Santa vários milagres foram alcançados.

Atualmente, é o neto de Dona Quitéria, Rubens Arguello, quem mantém viva a tradição. Ele afirma que a essência do evento permanece fiel ao propósito original: “Minha mãe fazia questão de atender aos mais necessitados. Aprendi com ela”. O caráter filantrópico, a devoção e a continuidade familiar tornaram a celebração um patrimônio afetivo de Guaíra.

Neste ano, a tradição ganha um formato especial. A comemoração ocorrerá no dia 8 de dezembro, com a missa às 7h30, seguida de um café da manhã típico paraguaio servido na residência que pertenceu à saudosa Dona Lucila, na rua Monjoli, 94, no bairro Vila Velha. Sob a organização de Rubens Arguello, o momento preserva o espírito original de devoção e partilha que marcou as primeiras edições.

Assim, o Município de Guaíra reafirma seu vínculo histórico com o Paraguai e reconhece a força de uma tradição que há mais de oito décadas une famílias, reforça identidades e mantém viva a memória cultural da fronteira.

DICSI Arte: Gabriel Gurjão / Texto e Revisão: Cintia Marques